de yala silva
texto por viníciux da silva
“What have I got?
Why am I alive anyway?
Yeah, what have I got?
Nobody can take away
...
I've got life, I've got my freedom
I've got the life”
— Nina Simone, Ain't Got No, I Got Life
“eles virão para nos matar, porque não sabem que somos imorríveis. (...) eles nos despedaçarão, porque não sabem que, uma vez aos pedaços, nós nos espalharemos. Não como povo, mas como peste: no cerne mesmo do mundo, e contra ele.”
— Jota Mombaça, Não vão nos matar agora

“Fique trans, fique travesti” é conjuro, enunciação. Precisamos estar atentas às profecias. Lê-las em voz alta. É uma imagem-oferenda. Uma proposta de ação direta autônoma urbana. Um exercício de redistribuição anticolonial da violência. “Fique trans, fique travesti” é um presente. Está presente. Nas ruas do centro de São Paulo, aqui, em todo lugar.
Trata-se de um desconforto. Uma problemática para a arte. Brazil incômodo. Brazil diarréia. O que significa enunciar “fique trans, fique travesti”? Trata-se de uma oração. Fique trans, fique travesti, fique viva. Repetição, lembrança, intervenção. Nas ruas da cidade, calçadas, avenidas, ruas, becos e vielas paulistanas. Como motivar modos de vida condenados pela norma cishétero branca no espaço urbano? Como afirmar a vida em meio à violência pervasiva da cidade de São Paulo?

Apesar de $P e, como um todo, do brazil, yala silva enuncia “fique trans, fique travesti”. Devor(ação) afeminada da metrópole. Deixe-me viver ou te devoro. Uma lembrança: não há nada que nos impeça de ocupar a cidade, permanecer aqui. Eles tentarão, mas não nos pararão. Afinal, como bem profetiza Jota Mombaça, eles “não sabem que, uma vez aos pedaços, nós nos espalharemos” como peste.
yala silva está aqui e nos lembra: novos encontros e éticas coletivas para ser e estar no mundo são possíveis. Apesar do brazil, que nos silencia, objetifica e mata, estamos trans, estamos travestis. Repetir é importante. A linguagem de “fique trans, fique travesti” é a linguagem da política, dos espaços públicos, dos corpos trans/travestis em alianças. Nesse sentido, a intervenção produz um efeito na metrópole. É uma defesa pública da nossa própria memória. Memória encarnada em nossos corpos. Estamos trabalhando para romper com o prazer cisgênero. Estamos trabalhando para viver além da cisgeneridade, enquanto perturbamos a sua paz, o seu sono justo.
Para yala, há sempre um risco e um perigo em nossas existências. A verdade é que ser/estar trans, ser/estar travesti, é perigoso, sobretudo quando nos propomos a desfazer a estética da miséria que constrói imaginários sociais sobre nós. Ocupar a cidade é uma possibilidade para borrar os próprios limites entre margem e centro. Um conselho, um alerta, uma aposta. Resposta. Ameaça. Os algozes estão ao nosso redor e eles não nos deixarão em paz.

Eu recebo a imagem-oferenda de yala como uma lembrança de que, apesar de vocês, nas palavras de abigail Campos Leal, “nós somos o anúncio, o registro misterioso dessa profecia sombria: as vidas (racializadas) que fogem do binarismo de gênero y da heterossexualidade compulsória são inaniquiláveis!” E essa imagem-oferenda me lembra o corpus infinitum de Denise Ferreira da Silva. Corpo sem limites. “Fique trans, fique travesti” enquanto promessa, estratégia e vingança. Vidas inaniquiláveis, vidas infinitas. Estamos aqui, somos muitas.
yala, eu sonhei contigo e te encon(trava) viva.
Fique trava, fique viva.

A #TeiaAfrotonizar é uma iniciativa da plataforma Afrotonizar que se dedica à difusão e promoção de artistas e agentes criativos racializados, especialmente aqueles situados nos eixos Norte e Nordeste do Brasil. Através de ações que ampliam o acesso às narrativas e práticas artísticas contracoloniais, a Teia conecta talentos, ideias e projetos, criando pontes para fortalecer a cena contemporânea. A #TeiaAfrotonizar reflete o compromisso da plataforma em expandir horizontes, valorizar histórias e transformar a maneira como narrativas racializadas são percebidas e celebradas no Brasil e além.
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