"Quando eu era criança, amava me enrolar, às vezes por diversão ou para esconder de alguém, na primeira rede de algodão trançado que havia na casa de meus pais, na qual, o pai, enquanto atava, dizia quase religiosamente que iria descansar o corpo cansado, mas, a deixava um tempo livre antes de deitar. 

​

Encaixava as beiradas entre as pernas e segurava junto com as mãos, ficando igual um casulo. O movimento de ir e vir repetidas vezes se tornava uma brincadeira, em que, o peso do corpo pressionava sobre o tecido da rede fazendo-o sustentar no giro. Quanto mais rápido, mais adrenalina era.

​

Um dia, entre um vai e vem, olhei pela fresta possível uma imensa galáxia espiral com todas as cores existentes e umas outras mais. Fiquei surpreso, no entanto, parecia que meu corpo estava rememorando algo que não havia sido esquecido. 

​

Meus olhos marejaram. Tentei esticar o dedo indicador através da fenda, senti formigar e o retornei. Fascinado, busquei ficar imóvel na tentativa de aproveitar o máximo dos detalhes daquilo tudo, semelhante a quem sobe no telhado de casa e equilibra-se para olhar o céu estrelado quando falta luz no bairro. Porém, assim como a luz retorna, meu corpo se mexeu, o giro se desfez, voltei e a rede abriu.

​

Confuso, os olhos agora estavam arregalados, tentando encontrar algo que tivesse perdido. O pai aproximou-se dizendo que queria descansar o corpo cansado. Percebendo minha desorientação, perguntou: o que havia acontecido? Quero olhar de novo, respondi. Então, ele colocou a mão sobre meu ombro e comentou que sempre haveria as redes.

 

Hoje, em todos os cômodos na casa de meus pais possuem rede."