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MALENA
Cristina Rosa

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malena a4.png

"MALENA"
Multimídia
42x29,7 cm
2021

"Recordo o ano de 2018, ou era 2019? Já não me lembro, decidi que queria experimentar Ayahuasca. Assim como muitas pessoas negras, sem conhecer meus antepassados, queria entender um pouco mais de mim e dos meus, compreender o que me levou até o momento.

Sem muita pretensão, cheguei ao local e tomei.

O que vi, o que vivi, o que senti, estava, e ainda está, muito além do que jamais imaginei.

Escuto música, um som que se repete, como um eco constante. Deitada, e de olhos fechados, sinto minhas mãos se movimentarem ao encontro de meu ventre. Ali, mora um ser, crescendo, pulsando. Me emociono, estou feliz. Num instante que parece uma eternidade, há um esvaziar em mim e me sinto vazia, procurando com minhas mãos aquele pequeno ser que um dia existiu ali. Choro, choro, choro, e o choro é como uma torneira aberta. Eu mesma não entendo minha própria tristeza, pois gerar um filho nunca havia sido um desejo. Me vejo em um dilema ao qual não sei a resposta.

Num segundo momento, essa outra parte de mim grita em meu ouvido, em minha cabeça, que minha mãe não é minha mãe, enquanto indignada eu retruco com um “sim, é sim!”, com uma convicção que não pretendia. A mera sugestão de não ser pertencente a minha família é surreal. Me via diferente de minhas irmãs, claro. Cabelos crespos que me causavam dor, já havia cortado num excesso de raiva, mudado para o liso para tentar me encaixar, até o momento em que percebi que sou o que sou, e que meu cabelo é o que é, lindo. Nada. Vazio.

Tudo fica suspenso. Vejo o mar. Malena. Sempre gostei do mar, do som dele, de ficar horas na praia ouvindo seus sussurros, seus rugidos, os ventos pra lá e pra cá, o toque em minha pele, me levando ao prazer sútil. Malena.

E no mar, surge um barco. Pessoas fugindo? Uma líder lá no começo de um deles, guiando os outros barcos ao horizonte. Malena. Sinto um prazer imenso ao presenciar a cena, que mais parecia de filme. Uma paz se instaura, vejo cores. Muitas cores. Estou feliz. Malena.

Saio daquele espaço físico me sentindo confusa. O que aconteceu? Por que me senti daquele jeito?

Por fim, compreendo que o que vivi, vi, Eu revivi. Sou Malena. Apesar de todas as adversidades, de dores, de tristezas vividas por tantas mulheres negras, ontem, hoje, coisas muitas vezes inconcebíveis aos pensamentos, seguimos como girassóis, acompanhando o sol, almejando luz e gerando muitas sementes para um futuro próspero para os nossos. Os nossos ventres de alguma maneira serão a chave, pois guardam memórias de gerações passadas e é ali que floresce toda a nossa criatividade, força, esperança."

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